sexta-feira, outubro 10, 2008

Porque é difícil fazer comunicação interna

 COMPONENTES DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO

Costuma-se dizer que o bom juiz de futebol é aquele que, depois do jogo, esquecemos de quem tenha sido. Lembramos apenas da partida, dos lances marcantes. Podemos dizer que a personalidade dos bons profissionais desaparece na mesma medida em que se destaca o trabalho que empreendem. O importante na comunicação, por exemplo, é que as mensagens sejam marcantes e não o culto a quem as produziu e apresentou. Conta o objetivo final, a capacidade solidária que a circulação da informação e a boa comunicação é capaz de proporcionar. Na comunicação interna, numa organização, esta prerrogativa pode ser uma prática salutar. Quando a informação corre as veias e artérias da organização e as agendas gerenciais têm por base a comunicação tudo flui. Há um prazer enorme em fazer parte de uma organização harmônica e vencedora, onde todos os atores são valorizados e reconhecidos. Onde as pessoas estão compromissadas e têm uma causa, que é o sucesso e a realização.
           Mas, em função do contexto social competitivo e da natureza humana, naturalmente contraditória e surpreendente, a realidade tem mostrado dificuldades para que o objetivo integrador da informação e da comunicação tenham sucesso em algumas organizações. Tal fato cria um paradoxo. De um lado a carência de mediação nos processos internos nas empresas e de outro a superexposição midiática da imagem destas mesmas organizações. Julgamos que em função do direcionamento do marketing empresarial e das multisensoriais ofertas da mídia, a maioria das empresas deixou de ter problemas de visibilidade externa. Então há essa mirada perplexa para o ambiente interno e os administradores se perguntam o que aconteceu? como o público interno pode jogar contra a empresa?
           Algo indica que o foco gerencial precisa se adaptar, estabelecer e favorecer sistemas ágeis de interação com e entre seus empregados. Gozando de boa imagem da praça as empresas precisam se preparar para um novo desafio. A idéia fixa das direções é que os empregados "precisam" se sentir mais envolvidos em suas atividades e assim mais compromissados com a atividade da organização. Para tanto, usam os mesmos mecanismos que funcionam na comunicação externa, transferindo informações, buscando maior comprometimento com os processos da organização em todos os níveis e direções.
           Mas a comunicação interna infelizmente, para os comunicadores e gestores, não funciona com a mesma lógica. Pelo contrário, esta esfera da comunicação é muito mais sensível, pois requer estratégias tão complexas quanto são as relações humanas. Estamos falando de comunicação interpessoal e de grupos e não de massa, na qual nós, comunicadores, tanto treinamos nos bancos universitários. Teremos que aliar ao conhecimento comunicador as habilidades da gestão de pessoas e valores da psicologia social. Nas organizações estes setores funcionam separados mas é preciso que urgentemente sejam aliados. Implica também em conhecer o que é gestão em seu sentido amplo para entender que o comportamento gerencial tem reflexo direto no clima organizacional.
           Por isso, não estamos tratando do desenvolvimento de tecnologias ou sistemas de informação interna que integrem todos os bancos de dados da organização, por exemplo. Fazer a ligação de setores dispersos pela formatação de um sistema operacional é tratar de informação e não de comunicação. Se fosse essa a questão seria mais fácil.
           O setor ou área de comunicação interna tem por objetivo facilitar a comunicação na organização, o intercâmbio, que favoreça o fluxo de idéias entre os atores, mas sobretudo permita um favorável clima de confiança e de legitimidade do processo. Só assim os compromissos institucionais permearão cada um dos integrantes da organização, num clima saudável de relacionamento e interação em todos os sentidos. O princípio da interação é dialético mas também fundado no diálogo, voltado para fortalecer a harmonia dos colaboradores. Assim, a divulgação fortalece o conhecimento e também a consciência sobre a importância das atividades realizadas em cada setor pelos diferentes profissionais ali alocados.
           Por isso é que tratar de comunicação interna de forma consciente não é o mesmo que tratar de fluxos de informação "descendente", "ascendente" e "horizontal", conforme preconiza o maioria dos manuais da área. Isso é outra coisa, pois geralmente tais práticas preservam a relação formal dos extratos de poder, fundados em formas autocráticas, o que justamente precisa ser discutido.
           Falar do processo de comunicação interna é algo mais rico e complexo. Permite que se fale da densidade do processo de comunicação, que implica falar, mas especialmente ouvir, auscultar as sensações das pessoas e dos grupos que compõem as organizações. Comunicação não combina com doutrinação, muito menos com falação unidirecionada. Existem outros campos sociais especializados e eficientes na arte do ceticismo, para "fazer a cabeça" das pessoas.
           As empresas sérias e comprometidas com a sociedade fogem disso, porque querem ter pessoas produtivas, livres, conscientes e criativas em seus quadros. Pessoas aptas ao compartilhamento, que se sintam num mesmo processo produtivo, ainda que em condições hierárquicas diferentes. Por isso, quanto mais perto do topo da organização, mais difícil a adaptação humana para esta nova ordem da comunicação.
           Acontece, porém, que a decisão para que se propicie fluxos de informação e comunicação depende de ação gerencial e por isso muitas empresas estão presas numa armadilha. A empresa precisa melhorar a comunicação interna, mas a direção não abre mão do esquema formal, linear, vertical e burocrático de autoridade. A solução tem sido aumentar a informação, sem tocar na ferida.
           Evidente que fazer comunicação interna mexe com comportamento. Envolve as sensibilidades humanas e depende da vontade dos gestores em compreendê-la como decisiva. Também não é algo rápido, porque o chão de fábrica para o exercício da comunicação interna depende da cultura da organização e, implementá-la leva tempo e tem um custo, porque a gente sabe que "quem sofre não esquece".
           Será necessário também estabelecer objetivos e mecanismos de acompanhamento do processo, conforme o que estiver descrito na política de comunicação da organização. Ou seja, precisa ter uma política. A observação sistemática, norteada por metodologia específica, pode começar pela análise intensiva do clima organizacional, realizada de forma independente. Para isso a empresa precisa dispor-se a tratar com transparência as suas questões internas (oportunidades e ameaças) e aliar-se aos seus colaboradores, aqueles que constróem no dia a dia a força real da organização. Se tudo der certo, não importa quem foi o juiz da partida.


ELABORADO POR:
Antônio Luiz Oliveira Heberlê
Jornalista, pesquisador em divulgação científica da Embrapa Clima Temperado, diretor da Escola de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas.

FONTE:http://www.comunicacaoempresarial.com.br/revista/04/comunicacoes/comunica2.asp